segunda-feira, 15 de julho de 2019

Surpresa mortal (conto autoral)

Tudo começou com um mero "boa noite". Nada mais do que um demonstrativo de educação ao passar por alguém com quem se encontra diariamente. Nos primeiros dias, aquela presença era agradável, quase como quando deixamos o rádio ligado para não nos sentirmos sozinhos. Era um velho senhor que cobrava o valor da passagem do ônibus, justamente no tubo em que eu me dirigia após minha carga-horária terminar.

De início, as únicas palavras que já havia ouvido em sua voz eram "olá" e outros cumprimentos. Minha primeira estranheza se deu quando ele começou, de forma insistente, a puxar assunto. "Quantos anos você tem?", "para onde vai todo dia?", "como foi o final de semana?". Mas obviamente esse espanto era apenas um fruto de uma imaginação extremamente perturbada, até mesmo arisca. Todavia, quando ele me chamou de "meu bem", minhas pernas tremilicaram. Bobeira minha. Ele era só um senhor de idade tentando matar o tempo em seu ofício entediante. Certo? E por quê ele me olhava daquela forma?

Foi quando algo ficou estranho. Já era noite, mas por algum motivo, não conseguia me lembrar de nada que ocorrera nas últimas horas. As ruas estavam muito mais quietas e paradas do que o normal, e a escuridão no céu indicava que estava muito mais tarde do que qualquer outro momento em que eu passara ali. Vi uma pessoa, e fui em sua direção. Recuei assim que o reconheci: o senhor do tubo de ônibus. Ele estava me seguindo?

De repente, uma sensação horrorosa tomou conta de mim. Não sabia o motivo, porém, a única reação que tive foi correr. Contudo, eu não conseguia fazer isso - sangue jorrava de meu corpo, que estava todo desfigurado. Como isso aconteceu? E como eu não tinha reparado nisso até agora? Talvez, fosse por conta de eu não sentir nada. Nenhuma dor. Mas isso não era possível - era o que eu achava até então, pelo menos.

Uma vez que percebi que correr não era uma opção, decidi rastejar. Empurrei o peso do meu corpo contra o chão, e tive uma espécie de flashback. Estávamos em uma sala. Eu gritava, e lágrimas escorriam de meu olho. O sangue começava a escorrer entre cortes por toda a minha silhueta, mas minhas tentativas de fugir me arrastando permaneciam. O que fora aquilo, afinal?

Permaneci indo na direção oposta àquele homem. Apesar de não sentir dor, sentia outros impedimentos físicos, como o cansaço. Mais do que nunca, minha vontade era apenas de fechar os olhos. Todavia, sabia que se fizesse isso, não os abriria nunca mais. Outra imagem se passou em minha mente. Dessa vez, consegui ver outra figura, masculina de pé sobre mim, quando ele desferiu um soco acima de minha sobrancelha. Ignorei essa provável recordação quando observei uma luz advinda de uma loja. Era um novo modelo de televisão, com uma tela imensa, atrás do vidro blindado. Juntei todos os esforços que ainda me restavas e fui até ela.

Todo o medo que eu sentira até o momento não era nada perto do que vi ali: o jornal da madrugada tinha como manchete uma descoberta. Finalmente o corpo de uma vítima desaparecida havia duas semanas fora encontrado. Rastros deixados no local do crime indicavam: aquele senhor estranho, à primeira vista simpático, era o principal suspeito. A pessoa morta, era eu.

Conto autoral. 
Giulia Walt, 16/07/2019.
Em caso de divulgação, favor dar os devidos créditos.

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