segunda-feira, 30 de março de 2020

Desatenção (conto autoral)

Era um dia frio e nebuloso – algo estranho para o verão –, mas sequer me atentei a isso enquanto colocava a água para ferver. Minha mãe sempre disse que eu deveria ser mais atenta. Posicionei as ervas numa jarra de prata e calculei aproximadamente o tempo até que o líquido pudesse ser ali despejado. Nesse período, planejei utilizar um velho truque da família: acrescentar o suco de um limão para dar sabor ao chá.
Peguei a tábua no armário, bem como a fruta, que se encontrava exposta sobre a mesa. Abrindo a gaveta, não consegui encontrar a faca que havia idealizado usar. Adicionei uma nota mental: conversar com as crianças sobre o perigo de pegar instrumentos afiados escondido.
Após encontrar um lâmina que parecesse minimamente afiada, comecei a partir o limão ao meio. Estava quase na metade do processo, quando a chaleira começou a apitar, fazendo com que eu pulasse de susto e, consequentemente, cortasse meu dedo.
- Merda... – Falei ao ver algumas gotas de sangue escorrendo pelo meu dedo. Peguei o pano de prato pendurado ao meu lado para estancá-lo. Como podia um corte tão pequeno sangrar tanto?
Reclamei para mim mesma caminhando em direção ao fogão, quando ouvi um barulho de porta se abrindo. “São sete da manhã. Será que os meninos acordaram antes hoje?” – pensei. Girei o botão, cessando o fogo e o consequente grito histérico. Segurei o recipiente com a mão esquerda, para evitar que o sangue entrasse com contato com a bebida, quando senti uma sensação repentina de dor, fazendo com que eu derrubasse tudo que se encontrava sob minha posse. Um toque agressivo atingiu meu ombro. Olhando para baixo, uma faca atravessada em meu ventre fazia com que o corte do meu dedo parecesse brincadeira de criança.
De repente, estava em meu quarto. Não lembrava do que sonhara, mas sabia que havia sido algo ruim.
Com certa angústia, levantei, lavei meu rosto e escovei os dentes. Olhei  para o relógio: 6:45h. Amarrei meu cabelo e me dirigi à cozinha, pronta para preparar meu chá matinal.
Era um dia frio e nebuloso – algo estranho para o verão –, mas sequer me atentei a isso enquanto colocava a água para ferver. Minha mãe sempre disse que eu deveria ser mais atenta.